Precisamente
às 00:00h paro em frente ao monumental banco da cidade. Eu não entendo de
arquitetura, mas a julgar por essas curvas impossíveis, vidros e luzes, acho
que isso é o chamado estilo futurista. É um prédio bonito, devo admitir. Talvez
por isso, além de banco, o prédio seja a própria casa do banqueiro, Pedro Pecunia.
Se tivesse que apostar, eu diria que o cara fica no último andar, o sexto!
Olho
em volta, a essa hora o centro está deserto, nenhuma alma passando, nenhum
carro na rua. As coisas já estão demorando mais do que o planejado e minha
paciência está no limite. O plano agora é não ter plano, o principal é entrar.
Uma vez lá dentro eu decido o que fazer.
Procuro
em volta e apanho as maiores pedras e pedregulhos que encontro. Arremesso os
projéteis improvisados com toda a força, que modéstia à parte, não é pouca, e a
porta de vidro esfarela. Para minha surpresa não ouço nenhum alarme. Entro,
avanço pela recepção, depois pela parte onde ficam os caixas eletrônicos. Está
escuro, mas a noite é de lua cheia e as janelas são largas. Com a ajuda da luz
prateada é possível enxergar.
Todas as
portas são de vidro, então um extintor me ajuda a abrir caminho. Ainda nenhum
alarme, muito estranho. Espera, movimento?! Algo passou correndo atrás daquele balcão?
Aquele ponto vermelho não estava lá antes! Me jogo para o lado e algo atinge a
caixa de energia trás de mim, causando um curto circuito. Faíscas, estalos e
fumaça.
Vou
agachado até o balcão e observo. O ponto vermelho era o olho direito e mira de
um androide, que agora jazia caído e esfumaçando por conta da descarga
elétrica. De seu braço direito pendiam dois fios, um taser. Foi isso que
atingiu a caixa de força. Então, é por isso que a segurança é aparentemente tão
fraca, o lugar é protegido por esses guardiões de aço.
Com
esse aqui eu tive sorte, mas deve haver mais. Movimento. Tomo cobertura no
balcão e ouço os eletrodos cortarem o ar perto de mim. Salto por cima do balcão
e estraçalho os sensores ópticos do outro androide com o extintor.
Corro
até o elevador, mas outra praga de aço bloqueia o caminho. Acerto uma voadora
com os dois pés no peito metálico, e o lanço para dentro do elevador. Aperto qualquer
botão, a porta se fecha e ele sobe.
Arranco
o encosto de uma cadeira da área de espera. O estofo é macio. Seguro o objeto
como um escudo. Corro até a escada. Dois inimigos se interpõem e apontam os
braços para mim. Mas antes que disparem, tiro-os do caminho com um chute
tornado[1]
e uma benção[2].
Subo
correndo as escadas. Droga, há dois androides em meu encalço. Antes de alcançar
o primeiro andar, outro oponente desce em minha direção. Isso pode ser útil!
Ele dispara o taser e eu me defendo com o escudo improvisado. Depois,
agarro seu punho e puxo-o para baixo. Ele rola pelas escadas e faz um strike
nos meus perseguidores.
A
porta de acesso às escadas do segundo andar se abre bem quando passo por ela. Mais
um androide aparece. Mando-o de volta pela porta com um spinning back kick[3].
No terceiro andar o encosto de cadeira me salva de novo, assim como meu chute tornado[4].
Já no lance de escadas do quarto andar, são o martelo[5]
e a rasteira que neutralizam momentaneamente o inimigo. Ufa, estou realmente
cansado. Força, homem! Só mais dois andares!
No
penúltimo andar, duas sentinelas me aguardam. Os braços em riste miram os
eletrodos dos tasers para a minha cabeça. Porra, no rosto não! Desviei o
braço de um deles para baixo com o chute beija-flor[6]
e o do outro, arremessando meu escudo, no melhor estilo Capitão América. Rabo
de arraia[7]
e chapéu de couro[8],
um chute para cada um e é vida que segue.
Finalmente, sexto
andar! Passo pela porta, ganho o corredor. Parece o interior de um hotel de
luxo, desses que a gente vê em filme: tapete vermelho, papel de parede com detalhes
dourados, um vaso de cristal com orquídeas sobre uma mesa de carvalho. Encosto
a mesa contra a maçaneta da porta que dá para as escadas, de forma a impedir
que seja aberta por fora.
As
câmeras de segurança me acompanham enquanto passo, mas isso pouco importa. No
fim do corredor, outra porta. Essa é muito mais elaborada, de madeira
trabalhada em alto relevo. Arrombo.
Pouco
se vê, pois as luzes estão apagadas, o aposento tomado pela escuridão, com a exceção
de uma luz azulada que emana de televisores ao fundo. Observo as dezenas de
telas, cada uma exibe um ponto no interior do banco. É aqui que as imagens das
câmeras são exibidas.
-Eu
acompanhei sua jornada épica até aqui. – a voz emana de algum lugar na
escuridão - Parabéns, nenhum larápio jamais conseguiu passar pelas minhas
sentinelas de última tecnologia, as melhores que o dinheiro pode comprar,
aliás.
-
Eu não sou larápio. Apareça! – ordeno, adentrando o aposento e procurando em
volta.
-
Estou brincando, eu sei que você não é. Você não passou nem perto do caminho
para o cofre. Então a pergunta é: o que você quer comigo? – pelo jeito ele sabe
que o assunto é pessoal.
-
Aff já contei essa história duas vezes hoje, então vou resumir: cinco anos
atrás houve uma manifestação que deu errado e minha irmãzinha morreu. O culpado
disso foi Potestatem, mas ele apenas seguiu uma ordem de Politicus, que por sua
vez seguiu uma ordem sua.
- Ah quer
dizer que você é um Teseu seguindo o fio de Ariadne? Lamento informar, mas você
encontrou o Minotauro antes da saída.
Após
dizer isso, ele revela sua posição, saindo de trás de um largo armário de
madeira, o qual ele ergue no ar como se fosse de isopor e arremessa contra mim.
Salto no momento certo, desviando do enorme objeto, que termina por destruir a
parede atrás de mim.
Agora vejo
melhor o oponente. Um homem na faixa dos 40 anos, alto, camisa slin,
barba negra bem aparada e cabeça raspada. Sua tremenda força parece provir de
uma espécie de exoesqueleto mecânico, que recobre principalmente braços e
pernas, deixando peito e cabeça expostos.
Dou
um aú[9]
e aplico um martelo[10].
O chute é potente, mas ele agarra meu pé e, com uma força brutal, me joga para
o lado. Por sorte caio em um sofá. Ele avança com um karate chop[11].
Eu rolo para trás do sofá, antes dele ser partido em dois.
Aproveito
e agarro o que parece seu uma longa e sólida luminária, com a qual desfiro
vários golpes. Porém, é inútil, pois ele se defende com facilidade usando os
super braços metálicos.
Aí
vem um gancho de direita. Desvio, agarro o seu braço e forço o cotovelo para dentro.
Em condições normais ele quebraria, mas o exoesqueleto nem verga. Um soco no
peito me manda longe, minhas costas encontram a parede com violência. Essa
doeu, porém, finjo estar mais machucado do que realmente estou.
Permaneço
deitado no chão. Ouço seus passos se aproximando. Sinto-me erguido pela gola da
camiseta como um boneco. Suspenso no ar, meus pés nem tocam o chão. O truque
funcionou, ele me subestima, sua guarda está baixa. Seu punho se fecha para
desferir o golpe fatal. Antes disso, rápido como um raio, saco o facão
escondido sob a camisa. Uma punhalada no peito, enterrada até o cabo. O
oponente me solta imediatamente e tomba para o lado, mortalmente ferido.
- Aquilo que
você disse... – indago-o, antes que ele morra – Se eu estou seguindo o fio de
Ariadne, o que, ou quem, é a saída?
- Quantos anos
ela tinha? – sua voz está fraca.
- O que isso
importa agora? – sinto-me confuso e com raiva, mas repondo – Dez.
- Humm – seu
olhar baixo parece sinceramente comovido – Uma criança. Eu sabia que minhas
atitudes trariam injustiça. Mas uma criança... é demais.
- Então, pela
memória dessa criança, Pedro Pecunia, me responda.
- Está bem...
– sua voz está sumindo – A ordem que dei a Politicus foi um favor a um homem.
- Favor?
Homem?
- Sim, em
troca de... informações privilegiadas sobre o... mercado de ações. Seu nome
é... Tommaso Sapientiae.
- Onde eu posso encontrá-lo?
A
resposta tem muita dificuldade para sair da boca roxa e fria. O banqueiro está
entrando em choque pela perda de sangue.
- Bi-bi-biblio... teca.
Depois
que ele apaga, retiro a poderosa armadura de seu braço direito e a visto. Agora
eu também tenho a força. Em seu peito, um broche preto, com o desenho de um
cifrão prateado. A visão do objeto não me surpreende. Removo-o da camisa, agora
vermelha pelo sangue, e coloco-o no bolso com os demais.
Barulho, vindo
do corredor. São os androides, eles me acharam. Corro quase às cegas pelo
aposento. Abro, aleatoriamente, uma porta-balcão, buscando refúgio. Saio em uma
larga varanda que se estende sobre a rua, muitos metros abaixo.
De
repente, a dor. Uma dor insuportável que paralisa meus músculos e me obriga a
apoiar todo o peso de meu corpo na sacada de ferro da varanda. Olho para baixo.
Os eletrodos de um taser enterrados na minha perna. Antes que a mão
metálica de um androide me alcance, faço um esforço supremo e, com um impulso,
me jogo.
O vento frio
em meu rosto parece a morte, mas esse ainda não é o meu fim. Caio pesadamente sobre
algo macio. O caminhão de reciclagem passava na rua, sob a varanda, bem quando
me joguei. Feliz coincidência!
Sinto
dor pelo corpo todo e estou exausto. Decido descansar aqui mesmo.
Arte: Murilo Fogaça Manoel.
[1]
O lutador salta rotacionando o corpo 360º e, ao final do giro, desfere um chute
lateral. A rotação aumenta a energia cinética do corpo, elevando a potência do
golpe. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=E4ZE9Ivs9Kc
[2]
Benção é um golpe traumatizante, pelo qual o lutador desfere um chute frontal.
O lutador estica a perna em minha reta, atingindo o oponente com a planta do
pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=VjAJ59f-Mok
[3]
O lutador, sem perder contato com o solo, rotaciona o corpo 360º e desfere um
chute à média altura, com a planta do pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=zSt3mMtabWo
[4]
Vide nota 1.
[5]
Golpe traumatizante pelo qual o lutador desfere um chute circular com a canela
ou peito do pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=ZCLVQIfaPHE
[6]
Golpe traumatizante pelo qual o lutador apoia uma das mãos sobre o solo, eleva
rapidamente todo o quadril e as pernas, e desfere um chute de cima para baixo.
[7]
Golpe traumatizante, pelo qual o lutador posiciona-se
lateralmente em relação ao oponente, agacha-se sobre a perna da frente enquanto
mantém a perna de trás estendida. Depois, o lutador, apoiando ou não as mãos no
chão, aplica um chute giratório à média altura, “varrendo” a área à sua frente
(como o movimento da cauda de uma arraia).
[8]
Golpe traumatizante pelo qual o lutador agacha apoiando-se sobre uma mão e uma
perna, depois desfere um chute lateral com a perna oposta, enquanto rotaciona.
Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=rCBfWxpQSb8
[9]
Espécie de movimento de deslocamento, que permite ao lutador aproximar-se ou
afastar-se do oponente, armando ataques e executando defesas. Consiste em um
giro lateral, apoiado ou não sobre as mãos. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=5t-ElYLNqng
[10]
Vide nota 5.
[11]
Técnica característica do Karatê, pela qual o lutador desfere um golpe com a
lateral externa da mão (lado do dedo mínimo). Geralmente aplicado contra o
pescoço do oponente ou área adjacente. Descrição: https://www.youtube.com/watch?v=WRHmf65Rdgw