Capítulo 4 - Poder Econômico


               



Precisamente às 00:00h paro em frente ao monumental banco da cidade. Eu não entendo de arquitetura, mas a julgar por essas curvas impossíveis, vidros e luzes, acho que isso é o chamado estilo futurista. É um prédio bonito, devo admitir. Talvez por isso, além de banco, o prédio seja a própria casa do banqueiro, Pedro Pecunia. Se tivesse que apostar, eu diria que o cara fica no último andar, o sexto!
                Olho em volta, a essa hora o centro está deserto, nenhuma alma passando, nenhum carro na rua. As coisas já estão demorando mais do que o planejado e minha paciência está no limite. O plano agora é não ter plano, o principal é entrar. Uma vez lá dentro eu decido o que fazer.
                Procuro em volta e apanho as maiores pedras e pedregulhos que encontro. Arremesso os projéteis improvisados com toda a força, que modéstia à parte, não é pouca, e a porta de vidro esfarela. Para minha surpresa não ouço nenhum alarme. Entro, avanço pela recepção, depois pela parte onde ficam os caixas eletrônicos. Está escuro, mas a noite é de lua cheia e as janelas são largas. Com a ajuda da luz prateada é possível enxergar.
               


Todas as portas são de vidro, então um extintor me ajuda a abrir caminho. Ainda nenhum alarme, muito estranho. Espera, movimento?! Algo passou correndo atrás daquele balcão? Aquele ponto vermelho não estava lá antes! Me jogo para o lado e algo atinge a caixa de energia trás de mim, causando um curto circuito. Faíscas, estalos e fumaça.
                Vou agachado até o balcão e observo. O ponto vermelho era o olho direito e mira de um androide, que agora jazia caído e esfumaçando por conta da descarga elétrica. De seu braço direito pendiam dois fios, um taser. Foi isso que atingiu a caixa de força. Então, é por isso que a segurança é aparentemente tão fraca, o lugar é protegido por esses guardiões de aço.
                Com esse aqui eu tive sorte, mas deve haver mais. Movimento. Tomo cobertura no balcão e ouço os eletrodos cortarem o ar perto de mim. Salto por cima do balcão e estraçalho os sensores ópticos do outro androide com o extintor.
                Corro até o elevador, mas outra praga de aço bloqueia o caminho. Acerto uma voadora com os dois pés no peito metálico, e o lanço para dentro do elevador. Aperto qualquer botão, a porta se fecha e ele sobe.
                Arranco o encosto de uma cadeira da área de espera. O estofo é macio. Seguro o objeto como um escudo. Corro até a escada. Dois inimigos se interpõem e apontam os braços para mim. Mas antes que disparem, tiro-os do caminho com um chute tornado[1] e uma benção[2].
                Subo correndo as escadas. Droga, há dois androides em meu encalço. Antes de alcançar o primeiro andar, outro oponente desce em minha direção. Isso pode ser útil! Ele dispara o taser e eu me defendo com o escudo improvisado. Depois, agarro seu punho e puxo-o para baixo. Ele rola pelas escadas e faz um strike nos meus perseguidores.
                A porta de acesso às escadas do segundo andar se abre bem quando passo por ela. Mais um androide aparece. Mando-o de volta pela porta com um spinning back kick[3]. No terceiro andar o encosto de cadeira me salva de novo, assim como meu chute tornado[4]. Já no lance de escadas do quarto andar, são o martelo[5] e a rasteira que neutralizam momentaneamente o inimigo. Ufa, estou realmente cansado. Força, homem! Só mais dois andares!
                No penúltimo andar, duas sentinelas me aguardam. Os braços em riste miram os eletrodos dos tasers para a minha cabeça. Porra, no rosto não! Desviei o braço de um deles para baixo com o chute beija-flor[6] e o do outro, arremessando meu escudo, no melhor estilo Capitão América. Rabo de arraia[7] e chapéu de couro[8], um chute para cada um e é vida que segue.
               


Finalmente, sexto andar! Passo pela porta, ganho o corredor. Parece o interior de um hotel de luxo, desses que a gente vê em filme: tapete vermelho, papel de parede com detalhes dourados, um vaso de cristal com orquídeas sobre uma mesa de carvalho. Encosto a mesa contra a maçaneta da porta que dá para as escadas, de forma a impedir que seja aberta por fora.
                As câmeras de segurança me acompanham enquanto passo, mas isso pouco importa. No fim do corredor, outra porta. Essa é muito mais elaborada, de madeira trabalhada em alto relevo. Arrombo.
                Pouco se vê, pois as luzes estão apagadas, o aposento tomado pela escuridão, com a exceção de uma luz azulada que emana de televisores ao fundo. Observo as dezenas de telas, cada uma exibe um ponto no interior do banco. É aqui que as imagens das câmeras são exibidas.
                -Eu acompanhei sua jornada épica até aqui. – a voz emana de algum lugar na escuridão - Parabéns, nenhum larápio jamais conseguiu passar pelas minhas sentinelas de última tecnologia, as melhores que o dinheiro pode comprar, aliás.
                - Eu não sou larápio. Apareça! – ordeno, adentrando o aposento e procurando em volta.
                - Estou brincando, eu sei que você não é. Você não passou nem perto do caminho para o cofre. Então a pergunta é: o que você quer comigo? – pelo jeito ele sabe que o assunto é pessoal.
                - Aff já contei essa história duas vezes hoje, então vou resumir: cinco anos atrás houve uma manifestação que deu errado e minha irmãzinha morreu. O culpado disso foi Potestatem, mas ele apenas seguiu uma ordem de Politicus, que por sua vez seguiu uma ordem sua.
- Ah quer dizer que você é um Teseu seguindo o fio de Ariadne? Lamento informar, mas você encontrou o Minotauro antes da saída.
                Após dizer isso, ele revela sua posição, saindo de trás de um largo armário de madeira, o qual ele ergue no ar como se fosse de isopor e arremessa contra mim. Salto no momento certo, desviando do enorme objeto, que termina por destruir a parede atrás de mim.


               
Agora vejo melhor o oponente. Um homem na faixa dos 40 anos, alto, camisa slin, barba negra bem aparada e cabeça raspada. Sua tremenda força parece provir de uma espécie de exoesqueleto mecânico, que recobre principalmente braços e pernas, deixando peito e cabeça expostos.
                Dou um aú[9] e aplico um martelo[10]. O chute é potente, mas ele agarra meu pé e, com uma força brutal, me joga para o lado. Por sorte caio em um sofá. Ele avança com um karate chop[11]. Eu rolo para trás do sofá, antes dele ser partido em dois.
                Aproveito e agarro o que parece seu uma longa e sólida luminária, com a qual desfiro vários golpes. Porém, é inútil, pois ele se defende com facilidade usando os super braços metálicos.
                Aí vem um gancho de direita. Desvio, agarro o seu braço e forço o cotovelo para dentro. Em condições normais ele quebraria, mas o exoesqueleto nem verga. Um soco no peito me manda longe, minhas costas encontram a parede com violência. Essa doeu, porém, finjo estar mais machucado do que realmente estou.
                Permaneço deitado no chão. Ouço seus passos se aproximando. Sinto-me erguido pela gola da camiseta como um boneco. Suspenso no ar, meus pés nem tocam o chão. O truque funcionou, ele me subestima, sua guarda está baixa. Seu punho se fecha para desferir o golpe fatal. Antes disso, rápido como um raio, saco o facão escondido sob a camisa. Uma punhalada no peito, enterrada até o cabo. O oponente me solta imediatamente e tomba para o lado, mortalmente ferido.
- Aquilo que você disse... – indago-o, antes que ele morra – Se eu estou seguindo o fio de Ariadne, o que, ou quem, é a saída?
- Quantos anos ela tinha? – sua voz está fraca.
- O que isso importa agora? – sinto-me confuso e com raiva, mas repondo – Dez.
- Humm – seu olhar baixo parece sinceramente comovido – Uma criança. Eu sabia que minhas atitudes trariam injustiça. Mas uma criança... é demais.
- Então, pela memória dessa criança, Pedro Pecunia, me responda.
- Está bem... – sua voz está sumindo – A ordem que dei a Politicus foi um favor a um homem.
- Favor? Homem?
- Sim, em troca de... informações privilegiadas sobre o... mercado de ações. Seu nome é... Tommaso Sapientiae.
-  Onde eu posso encontrá-lo?
                A resposta tem muita dificuldade para sair da boca roxa e fria. O banqueiro está entrando em choque pela perda de sangue.
-  Bi-bi-biblio... teca.
                Depois que ele apaga, retiro a poderosa armadura de seu braço direito e a visto. Agora eu também tenho a força. Em seu peito, um broche preto, com o desenho de um cifrão prateado. A visão do objeto não me surpreende. Removo-o da camisa, agora vermelha pelo sangue, e coloco-o no bolso com os demais.
               


Barulho, vindo do corredor. São os androides, eles me acharam. Corro quase às cegas pelo aposento. Abro, aleatoriamente, uma porta-balcão, buscando refúgio. Saio em uma larga varanda que se estende sobre a rua, muitos metros abaixo.
                De repente, a dor. Uma dor insuportável que paralisa meus músculos e me obriga a apoiar todo o peso de meu corpo na sacada de ferro da varanda. Olho para baixo. Os eletrodos de um taser enterrados na minha perna. Antes que a mão metálica de um androide me alcance, faço um esforço supremo e, com um impulso, me jogo.



O vento frio em meu rosto parece a morte, mas esse ainda não é o meu fim. Caio pesadamente sobre algo macio. O caminhão de reciclagem passava na rua, sob a varanda, bem quando me joguei. Feliz coincidência!
                Sinto dor pelo corpo todo e estou exausto. Decido descansar aqui mesmo.
               


               
 História: Salomão Waked.

Arte: Murilo Fogaça Manoel.             




[1] O lutador salta rotacionando o corpo 360º e, ao final do giro, desfere um chute lateral. A rotação aumenta a energia cinética do corpo, elevando a potência do golpe. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=E4ZE9Ivs9Kc
[2] Benção é um golpe traumatizante, pelo qual o lutador desfere um chute frontal. O lutador estica a perna em minha reta, atingindo o oponente com a planta do pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=VjAJ59f-Mok
[3] O lutador, sem perder contato com o solo, rotaciona o corpo 360º e desfere um chute à média altura, com a planta do pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=zSt3mMtabWo
[4] Vide nota 1.
[5] Golpe traumatizante pelo qual o lutador desfere um chute circular com a canela ou peito do pé. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=ZCLVQIfaPHE
[6] Golpe traumatizante pelo qual o lutador apoia uma das mãos sobre o solo, eleva rapidamente todo o quadril e as pernas, e desfere um chute de cima para baixo.
[8] Golpe traumatizante pelo qual o lutador agacha apoiando-se sobre uma mão e uma perna, depois desfere um chute lateral com a perna oposta, enquanto rotaciona. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=rCBfWxpQSb8
[9] Espécie de movimento de deslocamento, que permite ao lutador aproximar-se ou afastar-se do oponente, armando ataques e executando defesas. Consiste em um giro lateral, apoiado ou não sobre as mãos. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=5t-ElYLNqng
[10] Vide nota 5.
[11] Técnica característica do Karatê, pela qual o lutador desfere um golpe com a lateral externa da mão (lado do dedo mínimo). Geralmente aplicado contra o pescoço do oponente ou área adjacente. Descrição: https://www.youtube.com/watch?v=WRHmf65Rdgw