Aqui estou eu, na delegacia da cidade.
Acho que este foi o primeiro lugar para onde fui levado após ter sido detido,
há cinco anos. Passei a última semana só observando, escondido nesse matagal
que cerca parte do lugar. Estudei os horários de entrada e saída do Potestatem;
o número de policiais, cinco ao todo; e seu armamento, lá dentro eles só usam cassetetes.
Vai ser moleza.
Finalmente, acaba de dar 22:00h, hora da ação. Saio
da moita e corro agachado até a parede lateral. Com ajuda de uma árvore próxima,
chego ao telhado e me acocoro sobre a entrada. Ahh aí está ele, como previsto.
O primeiro fardado vem para fora curtir sua pausa do cigarro. Pena que não vai
durar muito. Do alto, me lanço sobre ele e o baque do meu corpo apaga o
camarada. Antes mesmo da primeira tragada, o cara já era.
Entro
pela porta da frente, pulo sobre o balcão da recepção e chego a um corredor.
Agora, deixe-me ver... direita ou esquerda? Nenhum dos dois, entro logo na sala
em frente. Vazia. Mas ouço passos no corredor. Escondo-me atrás da porta.
Droga, entrou na sala. Olho para o cassetete em sua cintura, ele não terá tempo
de usá-lo. Aproximo-me por trás, aplico um rabo de arraia[1]
e ele cai se contorcendo de dor. Um, dois, com três socos bem dados o cara
apaga. Saio.
De volta ao corredor, continuo buscando a sala do
Potestatem. Meu instinto me manda seguir pela direita. Passo por mais algumas
salas, mas estão vazias. O corredor dobra à direita e... merda, fodeu! Um
policial me encara por um segundo. Então, sem fazer perguntas (eles nunca
fazem), saca o cassetete e avança sobre mim. Só um pouco mais perto... agora!
Agarro o braço dele e o derrubo, armlock[2]
bem encaixada e o braço do sujeito quebra. Mas admito que isto não foi muito
inteligente da minha parte, seu grito de dor vai atrair os outros.
Dito e feito, sigo pelo corredor e, quando dobro à
direita novamente, vejo outros dois policiais correndo em minha direção com os
cassetetes. Deixe me ver, primeiro o da direita. Desvio do golpe sem
dificuldade, aplico um seiken chokuzuki[3]
e, quando ele recua, um fouetté[4]
que o nocauteia. O outro policial avança com seu cassetete. Presenteio seus
órgãos internos com um chute lateral, e todo o corpo com uma rasteira.
Pelos
meus cálculos já me livrei de todo mundo. Claro, todo mundo menos um. A última
sala do corredor, deve ser essa a sala do chefe. Entro sem bater. Sentado atrás
de uma mesa cheia de papéis está um homem calvo, de olhos azuis, pele muito
clara e bigode. Ele me encara, parece estar me reconhecendo. Não, sua expressão
não deixa dúvidas, ele definitivamente está me reconhecendo. Que bom, isso nos
poupa de apresentações.
De
fato, o coroa não faz cerimônias, levanta-se e saca seu revólver. Rolagem
tática, primeiro tiro erra. Cadeira usada como escudo, segundo tiro
neutralizado. Arremesso a cadeira, ele desvia. Viro a mesa, terceiro e quarto
tiros defendidos. Em meio a centenas de folhas de papel esvoaçantes, uso a
mesma mesa para dar-lhe um encontrão e prensá-lo contra a parede lateral. O
cara se recupera e aponta a arma, mas meu chute giratório manda a arma para
longe. Torço o braço dele para trás e acabou, está dominado.
-
ARGHH ME SOLTA, SEU DESGRAÇADO!
-
Você lembra de mim, capitão Potestatem?
-
Tenente-Coronel, seu moleque.
-Ora,
uma promoção... Meus parabéns! Quer dizer que é assim que a polícia trata seus
infanticidas? Dando-lhes promoções?
-
Eu não sei do que você está falando.
- Ahh
não sabe? Então deixa eu refrescar sua memória. Cinco anos atrás, protesto
pacífico pela educação, prefeitura. Tá lembrando? – torço o braço com mais
força e o sujeito geme alto.
-
Não. Agora solta me braço, seu filho da puta.
-
Você mandou a tropa de choque vir para cima, teve confusão e minha irmã, uma
criança de dez anos, morreu pisoteada. Depois vocês me incriminaram e me
mandaram para o xadrez.
-
Então... é você... é de lá que eu te conheço. Olha, o que aconteceu com a sua
irmã, não foi...
-
Não foi o que?
- Não
foi por querer. Não dependeu de mim.
- Conta
outra velho, você acha que eu sou otário? - aperto a pegada, ele pinga suor, de
tanta dor.
- Eu
juro! Eu disse para ele que tinha criança no meio, que ia dar merda, mas ele
não quis saber.
- Ele
quem?
Não
houve resposta.
- Só
vou perguntar mais uma vez: ele QUEM? – digo batendo o coroa com força contra a
parede.
- ELE,
PORRA, ELE. O ... o ... o prefeito.
- Como
é que é?
-
É, foi o prefeito quem mandou. Eu falei com ele pelo telefone, expliquei que
tinha criança no meio e que ia dar merda se o choque entrasse. Ele disse que
não estava nem aí, que a ordem era dispersar geral.
- E
desde quando a polícia é pau mandado do prefeito?
-
Desde que... ele aceitou fazer vista grossa, ignorar nossos esquemas de molhar
a mão com traficante.
Está bem, para mim já chega. Podemos encerrar a
conversa por aqui. Empurro Potestatem para longe, corro pegar o revólver no
chão. Mando-o ajoelhar. Um tiro na testa e acabou. Fico ali parado por um
tempo, olhando o corpo estendido no chão. Eu consegui, completei minha
vingança. Mas então por que eu sinto que não é bem assim?
Algo
no corpo chama minha atenção. Espera, isso no peito dele é um broxe? É preto,
com o desenho de um punho cerrado em prata. O objeto é curioso, vou guardar de
recordação, assim como o revólver e a munição.
Saio
da delegacia deixando para trás seis policiais nocauteados, um corpo e a
péssima sensação de que isso tudo não acaba aqui.
História: Salomão Waked.
Arte: Murilo Fogaça Manoel.
[1] Golpe traumatizante, pelo qual o lutador
posiciona-se lateralmente em relação ao oponente, agacha-se sobre a perna da
frente enquanto mantém a perna de trás estendida. Depois, o lutador, apoiando
ou não as mãos no chão, aplica um chute giratório à média altura, “varrendo” a
área à sua frente (como o movimento da cauda de uma arraia).
[2]
Ou chave de braço. O lutador agarra o braço do oponente e pressiona as pernas
contra o seu tronco para mantê-lo dominado. Depois, com um movimento de quadril
para cima, o lutador força a articulação do cotovelo do oponente para dentro,
podendo fraturar a extremidade dos ossos.
[3]
Soco desferido contra a porção média do tronco do oponente (centro do peito).
Durante a execução o punho rotaciona 180º, de modo que a rotação aumenta a energia
cinética do punho. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=1ohXtT6tj-8
[4]
Sequência de golpes rápidos, consistindo em um jab, seguido por um chute
lateral à média altura e um soco na têmpora. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=7YGJ-GE-46E&feature=emb_title