Capítulo 2 - Poder Físico



             Aqui estou eu, na delegacia da cidade. Acho que este foi o primeiro lugar para onde fui levado após ter sido detido, há cinco anos. Passei a última semana só observando, escondido nesse matagal que cerca parte do lugar. Estudei os horários de entrada e saída do Potestatem; o número de policiais, cinco ao todo; e seu armamento, lá dentro eles só usam cassetetes. Vai ser moleza.
                Finalmente, acaba de dar 22:00h, hora da ação. Saio da moita e corro agachado até a parede lateral. Com ajuda de uma árvore próxima, chego ao telhado e me acocoro sobre a entrada. Ahh aí está ele, como previsto. O primeiro fardado vem para fora curtir sua pausa do cigarro. Pena que não vai durar muito. Do alto, me lanço sobre ele e o baque do meu corpo apaga o camarada. Antes mesmo da primeira tragada, o cara já era.


Entro pela porta da frente, pulo sobre o balcão da recepção e chego a um corredor. Agora, deixe-me ver... direita ou esquerda? Nenhum dos dois, entro logo na sala em frente. Vazia. Mas ouço passos no corredor. Escondo-me atrás da porta. Droga, entrou na sala. Olho para o cassetete em sua cintura, ele não terá tempo de usá-lo. Aproximo-me por trás, aplico um rabo de arraia[1] e ele cai se contorcendo de dor. Um, dois, com três socos bem dados o cara apaga. Saio.
                De volta ao corredor, continuo buscando a sala do Potestatem. Meu instinto me manda seguir pela direita. Passo por mais algumas salas, mas estão vazias. O corredor dobra à direita e... merda, fodeu! Um policial me encara por um segundo. Então, sem fazer perguntas (eles nunca fazem), saca o cassetete e avança sobre mim. Só um pouco mais perto... agora! Agarro o braço dele e o derrubo, armlock[2] bem encaixada e o braço do sujeito quebra. Mas admito que isto não foi muito inteligente da minha parte, seu grito de dor vai atrair os outros.
                Dito e feito, sigo pelo corredor e, quando dobro à direita novamente, vejo outros dois policiais correndo em minha direção com os cassetetes. Deixe me ver, primeiro o da direita. Desvio do golpe sem dificuldade, aplico um seiken chokuzuki[3] e, quando ele recua, um fouetté[4] que o nocauteia. O outro policial avança com seu cassetete. Presenteio seus órgãos internos com um chute lateral, e todo o corpo com uma rasteira.


Pelos meus cálculos já me livrei de todo mundo. Claro, todo mundo menos um. A última sala do corredor, deve ser essa a sala do chefe. Entro sem bater. Sentado atrás de uma mesa cheia de papéis está um homem calvo, de olhos azuis, pele muito clara e bigode. Ele me encara, parece estar me reconhecendo. Não, sua expressão não deixa dúvidas, ele definitivamente está me reconhecendo. Que bom, isso nos poupa de apresentações.


De fato, o coroa não faz cerimônias, levanta-se e saca seu revólver. Rolagem tática, primeiro tiro erra. Cadeira usada como escudo, segundo tiro neutralizado. Arremesso a cadeira, ele desvia. Viro a mesa, terceiro e quarto tiros defendidos. Em meio a centenas de folhas de papel esvoaçantes, uso a mesma mesa para dar-lhe um encontrão e prensá-lo contra a parede lateral. O cara se recupera e aponta a arma, mas meu chute giratório manda a arma para longe. Torço o braço dele para trás e acabou, está dominado.

           - ARGHH ME SOLTA, SEU DESGRAÇADO!
           - Você lembra de mim, capitão Potestatem?
           - Tenente-Coronel, seu moleque.
        -Ora, uma promoção... Meus parabéns! Quer dizer que é assim que a polícia trata seus infanticidas? Dando-lhes promoções?
         - Eu não sei do que você está falando.
       - Ahh não sabe? Então deixa eu refrescar sua memória. Cinco anos atrás, protesto pacífico pela educação, prefeitura. Tá lembrando? – torço o braço com mais força e o sujeito geme alto.
         - Não. Agora solta me braço, seu filho da puta.
         - Você mandou a tropa de choque vir para cima, teve confusão e minha irmã, uma criança de dez anos, morreu pisoteada. Depois vocês me incriminaram e me mandaram para o xadrez.
     - Então... é você... é de lá que eu te conheço. Olha, o que aconteceu com a sua irmã, não foi...
        - Não foi o que?
        - Não foi por querer. Não dependeu de mim.
     - Conta outra velho, você acha que eu sou otário? - aperto a pegada, ele pinga suor, de tanta dor.
       - Eu juro! Eu disse para ele que tinha criança no meio, que ia dar merda, mas ele não quis saber.
         - Ele quem? 
         Não houve resposta.
        - Só vou perguntar mais uma vez: ele QUEM? – digo batendo o coroa com força contra a parede.
         - ELE, PORRA, ELE. O ... o ... o prefeito.
         - Como é que é?
       - É, foi o prefeito quem mandou. Eu falei com ele pelo telefone, expliquei que tinha criança no meio e que ia dar merda se o choque entrasse. Ele disse que não estava nem aí, que a ordem era dispersar geral.
           - E desde quando a polícia é pau mandado do prefeito?
        - Desde que... ele aceitou fazer vista grossa, ignorar nossos esquemas de molhar a mão com traficante.
             Está bem, para mim já chega. Podemos encerrar a conversa por aqui. Empurro Potestatem para longe, corro pegar o revólver no chão. Mando-o ajoelhar. Um tiro na testa e acabou. Fico ali parado por um tempo, olhando o corpo estendido no chão. Eu consegui, completei minha vingança. Mas então por que eu sinto que não é bem assim?


Algo no corpo chama minha atenção. Espera, isso no peito dele é um broxe? É preto, com o desenho de um punho cerrado em prata. O objeto é curioso, vou guardar de recordação, assim como o revólver e a munição.

  
Saio da delegacia deixando para trás seis policiais nocauteados, um corpo e a péssima sensação de que isso tudo não acaba aqui.




História: Salomão Waked.
Arte: Murilo Fogaça Manoel.


[1] Golpe traumatizante, pelo qual o lutador posiciona-se lateralmente em relação ao oponente, agacha-se sobre a perna da frente enquanto mantém a perna de trás estendida. Depois, o lutador, apoiando ou não as mãos no chão, aplica um chute giratório à média altura, “varrendo” a área à sua frente (como o movimento da cauda de uma arraia).
[2] Ou chave de braço. O lutador agarra o braço do oponente e pressiona as pernas contra o seu tronco para mantê-lo dominado. Depois, com um movimento de quadril para cima, o lutador força a articulação do cotovelo do oponente para dentro, podendo fraturar a extremidade dos ossos.
[3] Soco desferido contra a porção média do tronco do oponente (centro do peito). Durante a execução o punho rotaciona 180º, de modo que a rotação aumenta a energia cinética do punho. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?v=1ohXtT6tj-8
[4] Sequência de golpes rápidos, consistindo em um jab, seguido por um chute lateral à média altura e um soco na têmpora. Demonstração: https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=7YGJ-GE-46E&feature=emb_title