Capítulo 2 - Dormitório
Quando o piloto do avião deu o sinal, Terminator saltou da aeronave. Na altura certa, abriu o paraquedas e pousou com perfeição sobre a relva. Parecia habituado a esse tipo de coisa. Ao seu lado, tendo descido também de paraquedas, pousou uma enorme caixa de madeira, a qual continha sua provisão de alimentos, equipamentos de sobrevivência e seu arsenal especial.
O homem tirou do bolço da calça uma carta topográfica da ilha e começou a analisa-la. Ele havia pousado em uma pequena clareira na parte sul. À sua frente, a mata estendia-se de modo irregular e sinuoso por toda a ilha. Ao norte, ficavam as quatro principais instalações de suporte: a usina, abastecida pela energia das marés; o armazém; o dormitório; e o laboratório.
O homem, então, abriu a caixa de madeira com suas mãos poderosas e, usando o que encontrou dentro dela, começou a construção do que seria sua base de operações enquanto estivesse ali. Quando terminou ainda estava claro, então decidiu aproveitar para investigar a instalação mais próxima, o dormitório.
Depois de quase uma hora atravessando a mata, encontrou um descampado à sua frente e avistou o dormitório. Sem deixar a proteção da mata, escalou uma árvore e permaneceu oculto, observando atentamente.
Seu corpo todo formigava, os pelos eriçaram como os de um gato raivoso e algo em sua mente lhe mandava alertas incessantes. Essa reação peculiar acontecia toda vez que havia baratas por perto. Fazia muito tempo que Terminator desenvolvera essa percepção, à qual chamava de “Sentido Barata”. Mas o seu Sentido nunca havia se manifestado de forma tão intensa em toda sua carreira.
Quando o sol começou a se pôr, a fonte daquela sensação revelou-se. Começou com movimentos rápidos, algo que ziguezagueava pelo teto, através das janelas e atrás das paredes. Vultos negros e um som tamborilante de passos rápidos, isso era tudo que se podia ver e ouvir. O homem ficou alerta.
-Estão aqui. – Pensou, sem qualquer receio, mas com muita curiosidade.
De repente, eis que, no teto da construção, ergueu-se uma figura repugnante. A silhueta, com 1,70m de altura, era humanoide: bípede, com uma cabeça redonda, braços e pernas que acabavam em mãos e pés penta-digitais. Porém, todas as semelhanças com um ser humano acabavam aí.
A cabeça era dotada de antenas; olhos grandes e redondos; protuberâncias enormes, semelhantes a pelos, despontando dos braços e pernas.
Por todas essas características, o especialista logo identificou que, definitivamente, aquilo era uma barata, mais especificamente uma Periplaneta americana, muito geneticamente modificada.
-Deus do céu, que tipo de merda vocês estavam fazendo aqui, seus cientistas doentes? – Pensou o homem, estarrecido.
Logo ele pôde ver mais dessas criaturas deixarem o esconderijo e avançarem para a mata, investigando o ambiente com as antenas frenéticas. Quando uma delas notou um coelho que saltitava por perto, disparou com uma velocidade absurda, agarrou o pobre animal e devorou-o de uma vez.
-Se eu ficar aqui, serei rapidamente descoberto pelos seus quimiorreceptores e acabarei como aquele coelho. Preciso recuar!
O homem desceu da árvore e voltou para sua base, onde permaneceu de vigília até o raiar do dia. Na manhã seguinte, com a cabeça fresca, pôs-se a refletir.
-Baratas... conseguem viver em qualquer lugar, comem de tudo, resistem às condições ambientais mais adversas. É inútil cortar, furar, eletrocutar, atirar, afogar ou explodir. Elas podem ficar longos períodos sem água ou comida. E ainda conseguem permanecer vivas sem a porra da cabeça por até uma semana. Nem uma bomba atômica pode matá-las. Sem falar nas doenças que elas transmitem. E o pior de tudo... são esteticamente grotescas. Se existe algo nesse mundo que se pode chamar de monstros, são as baratas!
Mas elas não são imortais. Ahh não senhor, longe disso. Existem três métodos de eliminá-las: queimar, envenenar e... esmagar com um chinelo. Aquelas coisas que eu vi lá trás podem ser grandes, mas não deixam de ser baratas, então os métodos tradicionais ainda devem funcionar.
À tarde, o homem retornou ao dormitório. Seu Sentido Barata alertava para a presença do inimigo, mas como esses são animais de hábitos noturnos, àquela hora elas estariam escondidas e sonolentas. Ele pretendia tomar vantagem dessa situação.
O lugar estava silencioso e escuro. Seus corredores e salas pareciam um labirinto. O homem andava devagar e seus pés não faziam qualquer barulho. Conforme explorava o lugar encontrou diversos corpos. Aqueles eram os cientistas, técnicos e militares que trabalhavam nas pesquisas secretas. As lacerações no pouco de carne que restava, indicavam que eles haviam sido o banquete das baratas nos primeiros dias da invasão. E isso tornava a chance de encontrar o Dr. Roach vivo, quase nulas.
Ao dobrar um corredor, o homem estacou. Topara com uma barata. Homem e fera se encararam por segundos que pareceram horas. Muito calmamente, o homem esticou a mão sobre o ombro e alcançou a arma que trazia presa em suas costas: o pé direito de um chinelo de dedo gigante. Empunhada por um cabo que saia da porção do calcanhar, a arma se assemelhava a uma espada. Mas sua função não era cortar, e sim esmagar.
O monstro rompeu a inércia e estocou. Ao invés de fugir, como era de se esperar de uma barata, ele atacou. Porém, os reflexos de Terminator foram mais rápidos e a arma-chinelo pressionou o corpo do monstro contra o chão com violência. Uma gosma cinza espalhou-se pelo chão e paredes. Uma perna ainda se contorcia, mas era apenas o reflexo do sistema nervoso periférico. O monstro estava morto.
Contudo, não demorou a surgirem mais. Em poucos instantes, Terminator se viu em uma dança frenética e mortal, na qual os inimigos atacavam de todas as direções, socando, chutando e mordendo. Ele, por sua vez, distribuía golpes certeiros e poderosos com sua arma-chinelo. Braços e pernas voavam e caiam no chão estremecendo.
O homem explodiu a cabeça de uma barata contra a parede. A pressão do golpe lateral com a arma-chinelo seccionou outra ao meio. Um golpe frontal fez uma terceira cruzar o corredor e arrebentar-se contra a parede oposta. Uma quarta rastejava pelo teto, e foi esmagada com um golpe vertical.
Depois de derrotar mais algumas baratas, Terminator pôde retomar a exploração. Decidiu checar num quarto repleto de camas e, tão logo entrou no aposento, seu Sentido Barata deu o alerta e a porta atrás dele foi fechada. Havia duas baratas à espreita! Um jogo de corpo e a arma-chinelo escapou de sua mão. Então, o homem desferiu um gancho de direita que deixou a cabeça do primeiro alvo pendurada pelos nervos. Depois, agarrou o segundo alvo pelas antenas e o arremessou contra uma cama, que quebrou ao meio. Correu recuperar sua arma. Antes de sair, finalizou as duas baratas.
Durante o resto da tarde, Terminator vagou por toda a instalação, esmagando, trucidando e estraçalhando dezenas de baratas. Nenhum ser humano comum possuiria estamina suficiente para continuar lutando por tanto tempo.
Quando a noite caiu, ele chegou ao refeitório do lugar. Era um salão amplo, de teto alto, colunas de concreto e longas mesas de refeição. Estava aparentemente vazio.
Foi então que ele ouviu aquele som. Aquele som inconfundível. Aquele “tec” seco e alto, produzido quando uma barata voadora pousa numa parede. Quando ele olhou para uma coluna ao seu lado, havia uma barata. Mas essa era diferente, ela abria ostensivamente um par de asas.
-Humm – o homem esboçou um sorriso contorcido de desprezo. – Foi o que eu pensei, aquelas outras eram apenas ninfas, sem asas. Já este é um indivíduo adulto, alado. O que significa que isso não vai ser fác...
O homem foi interrompido em seus pensamentos quando o monstro tomou impulso e estocou em sua direção. Ele, porém, rolou para o lado e escapou. Mas logo sucederam-se novos rasantes. O monstro tentava agarrá-lo. Terminator, incrivelmente ágil, esquivava-se rolando e saltando entre as mesas.
O monstro finalmente acertou um chute, e o homem foi chocar-se contra uma coluna. Nesse momento, ele percebeu que precisava tomar a ofensiva. Quando o monstro veio com um soco descendente, Terminator não esquivou. Ao contrário, contra-atacou com a arma-chinelo. O punho e a arma se encontraram. Esta saiu vencedora e o braço foi destroçado.
O monstro recuou, pousando no alto de uma coluna. O homem sorriu satisfeito, até perceber que o órgão estraçalhado começava a se regenerar.
-Processo mitótico de células totipotentes ultra-acelerado!? Merda!!!
O mostro aplicou uma voadora. Terminator agarrou sua perna, chocou-o contra uma mesa e esmagou o tórax da criatura com a arma-chinelo. Mas o inimigo conseguiu escapar de suas mãos e, novamente, pousou no alto de uma coluna para curar os ferimentos.
-Maldição, de novo não! Só tem um jeito. Preciso destruir o corpo inteiro de uma só vez.
Quando o monstro investiu novamente, o homem agarrou duas mesas próximas e esmagou o atacante entre elas. Depois, saltou e chutou tão forte, que o monstro atravessou uma coluna e foi chocar-se contra a parede oposta. Em não mais de um segundo, o homem cruzou o grande salão. Enquanto o alvo ainda estava atordoado pelo impacto, Terminator desferiu um golpe de cima para baixo com a arma-chinelo.
O golpe foi tão poderoso que a onda de choque resultante lançou para longe as mesas ao redor, estilhaçou o vidro das janelas e abriu uma cratera no chão. Quanto à barata, foi transformada em nada além de uma mancha marrom.
Quando o homem saiu do dormitório, a Lua já estava alta no céu. Ele estava coberto de entranhas e gosma, mas ainda assim ostentava um meio-sorriso orgulhoso, pois havia acabado de fazer aquilo que mais lhe agradava na vida, aniquilar baratas.
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¹ Ou barata-americana. É a espécie de barata doméstica mais comum, podendo atualmente ser encontrada em todos os continentes. Além disso, ela também se destaca por ser uma das espécies que desenvolve um par asas funcionais ao atingir a fase adulta.